Registrar compra de imóvel em Salvador pode levar até três anos por causa da burocracia nos cartórios

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Foto: Tácio Moreira /Metropress

“Grandes empreendedores estão deixan-do  de  investir  na  cidade  por  causa  da  buro-cracia  dos  cartórios  de  registro  de  imóveis”.  Esta afirmação é de um advogado da área do direito imobiliário que está há três anos ten-tando registrar no cartório do 2º Registro de Imóveis a compra de um terreno que custou R$  500  mil.  Durante  os  trâmites  de  registro,  já foram gastos cerca de R$ 32 mil com taxas. Por temer retaliações em futuras solicitações de serviços, ele prefere não se identificar.

O  advogado  afirma  que  a  média  para regularizar   essas   transações   no   cartório   do 2º ofício é de dois anos. Segundo o pro-fissional, o cartório está tentando corrigir erros  existentes  no  próprio  acervo  docu-mental  à  medida  que  novos  serviços  são  solicitados pelos cidadãos.

“Eu  só  estou  tentando  transcrever  na  matrícula  do  imóvel  a  transação  de  com-pra.  Mas  o  cartório  está  informando  que  a  matrícula que consta no acervo do próprio cartório  é  precária.  Ou  seja,  que  não  cons-tam informações de como o terreno é atu-almente”, relata.

Ainda  conforme  o  advogado,  para  re-alizar  o  registro,  o  cartório  exigiu  que  ele  coletasse  assinaturas  dos  donos  dos  ter-renos vizinhos. “Um dos terrenos limítro-fes  é  da  Prefeitura  e  outro  é  uma  invasão.  Neste último caso, eu preciso realizar en-trevista  com  no  mínimo  10  pessoas  e  co-letar  as  assinaturas”,  explica.  “O  cartório  não pode repassar esse problema que ele tem  para  o  cliente  resolver.  Pela  necessi-dade, quem busca o serviço acaba tentan-do solucionar”, completa.

O advogado cita que uma rede multina-cional de material de construção deixou de construir uma loja na Avenida Paralela por causa  na  demora  que  enfrentaria  para  re-gistrar a aquisição do terreno.

No entanto, o problema não atinge ape-nas  as  grandes  negociações  por  parte  de  empresas. O advogado cita que se o 2º Ofí-cio  encontrar  um  problema  na  matrícula  concedida   anteriormente,   na   época   em   que  não  era  privatizado,  o  cartório  trava  todo o processo de registro.

“Nos  apartamentos  da  Urbis  em  Caja-zeiras  ocorre  muito  isso  porque  a  maioria  não  possui  ‘Habite-se’.  O  cidadão  vai  ter  que   contratar   advogado,   dar   entrada   na justiça para resolver isso”, afirma.

Segundo Noel Silva, o diretor do  Creci–Ba  (Conselho  Regional  de  Corretores  de  Imóveis), a categoria está aflita e desespe-rada com a situação dos cartórios de imó-veis. “Tem se perdido inúmeros negócios. Tem se criado situações absurdas. Tenho conhecimento de escritura que levou dois anos  para  registrar  no  3º  ofício”,  conta. Noel  lembra  que  lutou  pela  privatização  dos cartórios e hoje se sente um bobo por notar a piora nos serviços.

“A   privatização   dos   cartórios   foi   de-fendida  para  se  acabar  com  os  “jeitinhos”.  Lutei por isso. Hoje estou me sentindo um bobo,  iludido,  porque  achei  que  o  serviço  iria melhorar, mas piorou”, lembra.

A lei estadual nº 12.352 de 2011, que de-terminou  a  privatização  dos  cartórios  ex-trajudiciais  na  Bahia,  completou  10  anos  em setembro do ano passado.

O ato de privatizar não significou me-lhoria   no   serviço   prestado   porque   não   há  concorrência  entre  eles,  pois  cada  um  atua em uma determinada região da cida-de. Ou seja, o cidadão só pode buscar ser-viços  no  cartório  responsável  pelo  bairro onde  o  imóvel  está  situado.  Atualmente,  são sete em Salvador.

Noel  reclama  dos  prazos  para  serviços  simples,  como  o  registro  de  um  título.  “Há  coisas absurdas como um prazo de 120 dias para fazer o registro de um contrato de fi-nanciamento   do   imóvel.   Não   queremos   que  passem  por  cima  das  normas,  quere-mos que haja celeridade”, afirma.

Para  dar  entrada  na  maioria  dos  servi-ços  nos  cartórios,  é  necessário  pagar  um  Documento  de  Arrecadação  Judicial  e  Ex-trajudicial (Daje) de prenotação no valor de R$  59  e  entregar  a  documentação  exigida.  Os  funcionários  analisam  a  documenta-ção  e  podem  apontar  pendências  a  serem  resolvidas ou dar seguimento ao protocolo.

Uma  situação  recorrente  é  a  apresen-tação  de  problemas  após  a  primeira  aná-lise,  o  que  acaba  estendendo  os  prazos  e  gerando mais custos.

“Se vai emitir uma nota devolutiva, que seja  apontada  todas  as  pendências.  Esse  tem sido basicamente o maior problema”, afirma  Noel.  O  diretor  do  Creci  conside-ra  que  a  má  qualidade  na  prestação  dos  serviços  é  fruto  da  falta  de  estrutura  e  qualificação das equipes dos cartórios de registro de imóveis. “Como não há concor-rência, os cartórios não investem em suas estruturas  e  qualificação  das  suas  equi-pes”, explica.

ABANDONO DA PROFISSÃO

Jurandi  Martins,  63  anos,  atua  há  nove  anos como despachante, mas em dezem-bro decidiu abandonar a profissão devido a  demora  dos  cartórios  na  prestação  dos  serviços.  “É  muito  estresse.  O  cliente  nos  contrata  para  resolver  os  problemas  e  às  vezes  não  compreende  que  a  demora  é  culpa dos cartórios. Já fiquei com cerca de 300  processos  na  mão  por  causa  da  de-mora dos cartórios”, relata.

Jucineide  Leal  é  despachante  há  11  anos e também pensa em deixar a pro-fissão para atuar apenas com a venda de imóveis. Atualmente ele está há dois meses  enfrentando  dificuldades  para fazer  um  simples  registro  da  portabili-dade do contrato de financiamento de um imóvel.

“O cartório do 3º ofício está se recusan-do a registrar porque o contrato do Banco do Brasil é  em papel e a liberação da por-tabilidade por parte da Caixa Econômica é por meio digital. O cartório só aceita se os dois  forem  por  meio  digital  ou  se  os  dois  forem por meio físico”, conta.

A   despachante   considera   a   situação   como  um  excesso  de  burocracia.  “Não  é  questão  de  fazer  fora  da  lei.  Cada  cartório  estabelece regras, mas o código de normas estabelecido pelo Tribunal de Justiça é um só. Cada cartório interpreta de maneira di-ferente. Acaba atrapalhando a vida de todo mundo com a burocracia”, reclama.

Jucineide  também  está  com  um  pro-cesso  há  dois  anos  e  três  meses  no  3º  ofício.  Ela  precisou  tirar  a  certidão  do imóvel  para  fazer  um  inventário  e  des-cobriu  que  havia  um  erro  do  cartório,  o  qual  registrou  uma  casa  como  se  fosse  um apartamento.

“Trata-se de um erro evidente do car-tório,  mas  eu  tive  que  correr  atrás  da  do-cumentação  na  Prefeitura  para  provar  o  erro deles e ainda paguei as taxas”, relata.

Fonte: Metro1

 

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